Gestão Interina em 6 facetas (Parte 5) - Cultura Organizacional

O caráter temporário da Gestão Interina não reduz a atenção que os Interinos e contratantes devam dar à cultura da Organização, ao contrário.

Sexta, 01 de agosto de 2025


V - Gestão Interina e Cultura Organizacional

O caráter temporário da Gestão Interina não reduz a atenção que os Interinos e contratantes devam dar à cultura da Organização, ao contrário.

O sucesso estratégico da Gestão Interina é suscetível de exigir que as organizações adotem termos de Culturas de Descontinuidade (a respeito, vide artigo anterior).

Este termo, um tanto paradoxal, não implica uma cultura que é fragmentada ou instável em sentido patológico, mas que é reflexiva, capaz de monitorar continuamente a sua própria natureza e de mudar/desenvolver-se, à luz dessas reflexões.

A noção de culturas de descontinuidade está implícita em muitas abordagens de pessoal Interino, embora o nível de reflexividade pareça ser variável. A este respeito, classificar essas culturas em termos de maturidade e sofisticação é possível.

Três grandes estereótipos culturais ilustram esta proposição:

  • a Empresa Flexível,
  • a Organização de Aprendizagem e
  • a Organização de Rede.

Estes são apresentados como tipos extremos ou ideais, desenvolvidos para elucidar as distinções analíticas, que representam casos empíricos reais.

Empresa Flexível

Utiliza-se o rótulo de Empresa Flexível para denotar uma Organização que prioriza flexibilidade numérica como principal meio de obter vantagens concorrenciais ou orçamentais, via limitação dos custos de mão-de-obra.

Isto representa algo de uma caricatura unilateral da formulação dos tipos de flexibilidade (numérica, funcional e financeira) e suas subsequentes críticas, mas reflete o que agora são amplamente percebidos como os componentes-chave do conceito de empresa flexível.

Isto envolve uma divisão de funcionários, entre a gerência e o chão de fábrica/loja/escritório, do centro para a periferia, estando estes últimos sujeitos a condições de emprego atípicas, por exemplo, como temporários, a tempo parcial, subcontratado ou terceirizado.

A cultura do flexível coloca uma baixa ênfase na mutualidade, pelo menos para o pessoal não-núcleo, mais preocupada em gerar um ambiente onde padrões claramente especificados, e a busca de recompensas, são a norma.

Este tipo de cultura funciona com base em princípios financeiros preferentemente a sociais, companhia (“gesellschaft”) em vez de comunidade (“gemeillschaft”).

No âmbito do intercâmbio econômico, as obrigações dos compradores e vendedores de mão-de-obra - em termos de tempo, dinheiro e ações - são claramente especificadas antecipadamente, sujeitas a rigorosa regulamentação contratual e não vão além disso.

O intercâmbio social, em contraste, envolve obrigações mais vagas, que se baseiam na confiança não escrita de uma das partes para não abusar da outra. As obrigações contratuais, se houver, são amplas e abertas.

No âmbito de um quadro deste tipo, as organizações utilizarão a Gestão Interina em seu estado mais simples e formal, como um mecanismo para reduzir o número de funcionários e os custos de gestão, ou na sua modalidade sofisticada como veículo de planejamento e execução de desagradáveis “shakeouts” corporativos.

Tais usos definem os parâmetros dos quatro elementos do modelo e os instrumentos de política utilizados para gerir o processo da Gestão Interina.

Por exemplo, no caso de uma aplicação sofisticada, seria inadequado demandar de um Gerente Interino, que provavelmente não tem a motivação ou a capacidade de tomar decisões como essas, difíceis e emocionalmente custosas, tenha que fazê-lo.

Nesses casos, o papel gerencial desloca-se da liderança transformacional para um modo transacional, colocando a ênfase na negociação, barganha e garantia de cumprimento do objetivo (“shakeout”).

No contexto da Organização de Aprendizagem (Learning Organization), no entanto, faz sentido a Cultura de Descontinuidade.

A ideia da Organização de Aprendizagem está enraizada na busca de uma estratégia para promover o autodesenvolvimento individual, dentro de uma autotransformação contínua da Organização.

A descontinuidade representa oportunidade de aprendizagem - uma forma de exercer e de extrair experiências diferentes das quais a Organização e seus membros podem se beneficiar no futuro.

Serve não apenas como um meio para um fim - melhor desempenho - mas, em parte, como um fim em si mesmo: Os membros da Organização aprendem através do processo de Gestão Interina.

Existe ênfase na reciprocidade e no compromisso, e mesmo à Gestão Interina simples é suscetível de ser dada inclinação humanista.

O Gestor Interino, mesmo cumprindo uma necessidade instrumental, deverá contribuir positivamente para a aprendizagem coletiva da Empresa.

Isso requer que a Organização faça a avaliação de necessidades e políticas de definição de funções, mas também que forneça um padrão e política que incorpore, em vez de excluir, membros não permanentes, como o Interino.

Uma Organização comprometida com a aprendizagem complexa não pode tolerar que permanentes ou temporários, júnior ou sênior, considerem a sua contribuição unicamente em termos e condições instrumentais estreitas.

Trazer os Gestores Interinos para um tal ambiente requer efetividade, políticas de seleção e integração para identificar e apoiar aqueles que podem trabalhar com eficácia em regimes de curto prazo.

Variantes sofisticadas de Gerenciamento Interino dentro de Organizações de Aprendizagem, no que respeita à Cultura Organizacional, irão influir pesadamente no papel de líder transformacional Interino - um papel que exige motivação e habilidades muito diferentes daquelas do “exterminador” (“hired gun”, no original) contratada por uma empresa flexível.

A lógica da Organização em Rede estende essa ampla visão da descontinuidade como oportunidade de aprendizagem. De acordo com um expoente nesta nova forma de Organização:

Já não podemos confiar no falso conforto das relações limpas e arrumadas entre posições funcionais e hierárquicas exibidas no sistema organizacional convencional, que se mostra demasiado rígido, demasiado lento e insuficientemente inovador; quando começamos a ver uma organização como um caleidoscópio em constante mudança das relações entre pessoas, começamos a obter um sabor melhor.

A descontinuidade fornece não apenas um estímulo à diversidade, mas, simultaneamente, estabelece um conjunto de "gateways de rede" que contribuem para a necessidade estrutural de uma forma organizacional.

Todas as variantes de Gestão Interina, portanto, operam de maneira semelhante à cultura da Organização de Aprendizagem, mas com ênfase nas implicações temporais do papel.

Por isso objetiva-se manter uma relação viva, mesmo após a pessoa ter deixado a Organização, como base para colaboração ou informação futura.

Além desses elementos de “soft-networking”, os avanços em redes e novas tecnologias - ou seja, a Internet e as intranets, e indústria 4.0 - abrem mais possibilidades de atuação de Gestão Interina, eliminando a exigência de presença física e, simultaneamente, ampliando os canais de comunicação entre a Organização e seu meio ambiente.

Para tais empresas "virtuais" noções de “insiders” e “outsiders”, permanentes e Interinos, tornam-se mais desfocadas e flexíveis do que na Organização convencional e sujeitas a mudanças e redefinições rotineiras. Os membros da Organização tornam-se mais dependentes da troca de informação do que do tipo de contratação.

Talvez o papel mais radical para a Gestão Interina, porém, resida na forma de Organização denominada Auto-Organização, uma noção derivada da Teoria do Caos.

Em um ambiente de negócios turbulento, os gerentes precisam manter as organizações em estado de instabilidade limitada - evitando o equilíbrio estável, que leva à estagnação e declínio -, mas parando antes do “equilíbrio instável”, quando a Organização fica fora do controle gerencial.

Isso significa utilizar a noção de Auto-Organização: aprender a não depender da experiência como um guia infalível para o futuro e aceitar que o futuro é inerentemente incognoscível e não pode ser planejado no sentido de previsão convencional.

Em vez disso: "Auto-Organização é um processo em que os componentes de um sistema em vigor espontaneamente se comunicam mutuamente e cooperam abruptamente em ações coordenadas e comportamentos comuns ".

Isto significa, por exemplo, desenvolver uma sensibilidade para a "Dualidade", ou seja, o equilíbrio de pressões opostas - entre planejada e não planejada; competitividade e cooperação; global e local - e é neste contexto que o potencial da Gestão Interina se constitui numa fonte de novas ideias e de nova Auto-Organização, atuando o Gestor Interino como um condutor, através do qual grupos, anteriormente diferenciados e separados pelos tradicionais limites estruturais e pela política interna, podem ser agrupados.

Neste contexto, o papel de Gestão Interina é dualista, simultaneamente incorporando o conhecimento e o compromisso de um “insider”, com a nova perspectiva e distância política de um “outsider”.

Na linguagem da Teoria do Caos, a Gestão Interina diz respeito à orquestração da instabilidade limitada, gerenciando o jogo de “feedbacks” positivos e negativos.

É precisamente a natureza intersticial do papel que o torna mais eficaz do que se desempenhado pelo pessoal permanente ou por um “outsider” destacado, como um consultor. Isto, portanto, pode ser o futuro para a Gestão Interina.

Tanto a Organização de Aprendizagem como as culturas de rede condicionam seu sucesso a altos níveis de confiança entre membros e parceiros.


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